Em
nosso Estado
democrático de direito, por disposição constitucional, dentre os direitos e
garantias fundamentais previstos no artigo 5º da Magna Carta, temos o inciso
XXXIX, segundo o qual “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena
sem prévia cominação legal”.
Trata-se
de uma segurança máxima aos cidadãos brasileiros de que uma ação não será
considerada como prática criminosa se esta não estiver, previamente, prevista em
lei.
De
sua vez, o Código Eleitoral e a Lei das Eleições, dentre outros, em capítulos
específicos, prevêem os crimes eleitorais, tipificando-os e cominando as penas a
serem aplicadas pela prática delitiva.
Inobstante
o teor do precitado dispositivo constitucional, e, como é consabido, porque o
direito não é equação matemática, o Tribunal Superior Eleitoral está por definir
se os crimes previstos no Código Eleitoral, em especial aqueles tipificados para
as eleições, também valem para os plebiscitos. O tema está sendo apreciado em
pedido de habeas corpus impetrado onde o autor busca o trancamento da ação
penal, porque a denúncia não atendeu às exigências legais.
O
debate, assim, gira em torno da abrangência dos delitos regrados na Legislação
Eleitoral, ou seja, se, de fato, se estendem aos plebiscitos e referendos.
Na
origem, o Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul não concedeu o
habeas ao impetrante, posto ter considerado que a situação fática – transporte
de eleitores na data em que se realizava plebiscito - estaria tipificada no
artigo 302 do Código Eleitoral, que considera crime eleitoral promover, no dia
da eleição, com o fim de impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto, a
concentração de eleitores, sob qualquer forma, inclusive o fornecimento gratuito
de alimento e transporte coletivo.
O
ministro relator, ao analisar o caso concreto levado a seu exame, manifestou-se
no sentido de que consulta não é eleição e o voto que responde a uma consulta
plesbiscitária não corresponde ao voto que elege um candidato. Decidiu, no
entanto, que a Lei que regra o plebiscito atribuiu competência ao Tribunal
Superior Eleitoral para regulamentar questões pertinentes, e, segundo ele, “as
restrições à propaganda e ao comportamento em locais sensíveis, que podem
constituir as mesmas situações para as quais o Código Eleitoral reserva
restrições com relação a eleições em sentido estrito, de modo a preservar,
também nos eventos plebiscitários, a garantia de liberdade de lisura”. Conclui o
relator que a análise do caso concreto, com as dimensões e o alcance do ilícito,
definirá se a natureza do ato foi idêntica a de um crime eleitoral.
O
segundo voto, de sua vez, divergindo do relator, afastou a ideia de que os
crimes tipificados no Código Eleitoral também abarcariam o plebiscito e o
referendo. Segundo ele, para haver a penalização, impõe-se que exista a lei
configurando o ato como crime, em respeito ao princípio da legalidade, ou seja,
não há crime sem lei anterior que o defina.
O
julgamento foi sobrestado pelo pedido de vista do ministro Marcelo Ribeiro, a
quem cumpre o denominado “voto minerva”.
A decisão final, se acolhida a tese exposta pelo digno
Relator, mostra-se demasiadamente preocupante, por servir de precedente para
que, em outros julgados, seja afastada a incidência do consagrado princípio da
legalidade. Vale dizer, restaria autorizada a imputação de prática delitiva, com
aplicação de pena, relativamente aos atos não previamente definidos como crime
em lei.
Lizete Andreis Sebben
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