A execução de Luís XVI
O parisiense Jules Michelet (1798-1874) foi um dos maiores historiadores franceses. De suas reflexões sobre a Revolução Francesa extraímos as passagens abaixo, utilizadas em mais um capítulo da série “Conversas com Escritores Mortos”.
Monsieur Michelet, o senhor foi um entusiasta da Revolução Francesa e escreveu muito sobre ela. A Revolução foi um acontecimento muito polêmico, defendido por alguns e contestado por outros. Muitos, inclusive, a consideram uma matança desnecessária que voltou-se contra seus próprios princípios, a comparando à Inquisição. Qual é a sua opinião?
Que o Terror revolucionário se precavenha de comparar-se à Inquisição! Que jamais se vanglorie de ter, em seus dois ou três anos, devolvido ao velho sistema o que ele no fez por seiscentos anos! O que são os dezesseis mil guilhotinados diante desses milhões de homens e mulheres decapitados, enforcados, despedaçados, dessa piramidal fogueira, dessa massa de carnes queimadas, que a outra ergueu até o céu?
Concordo. E o que o senhor tem a dizer quanto à diferença dos modos de execução?
A história dirá que, em seu momento feroz, implacável, a Revolução temeu agravar a morte, suavizou os suplícios, afastou a mão do homem e inventou uma máquina para abreviar a dor.
E a Inquisição?
A história dirá também que a Igreja da Idade Média esgotou-se em invenções que visavam aumentar o sofrimento, torná-lo pungente, penetrante, que descobriu artes refinadas de tortura e meios engenhosos para fazer com que, sem morrer, se saboreasse por longo tempo a morte.
Foi a uma época lamentável.
Deveras. E uma coisa mais alto que todas as destruições: é que o sistema que matava em nome de um princípio, em nome de uma fé, serviu-se indiferentemente de dois princípios opostos, da tirania dos reis, da cega anarquia dos povos. Qual o objetivo? A morte do pensamento.
Mas a tirania não foi inaugurada com a Inquisição… Pensemos em Roma, por exemplo.
Sou obrigado a dizer, custe o que custar, que esse espetáculo se renovou na Idade Média, quando o velho princípio, furioso de se ver morrer, acreditou que ainda teria tempo de fazer morrer o pensamento humano. Viram-se novamente, como no Coliseu, miseráveis escravos levar por entre as feras, não saciadas, não adormecidas, mas furiosas, atrozes, ávidas, o pobre e pequeno legado da verdade proscrita, o cristal frágil que podia salvar o mundo, se chegasse ao altar.
O senhor não é um grande fã da Igreja Católica, não é mesmo?
E deveria ser? O que é a caridade que faz o São Bartolomeu, acende as fogueiras, organiza a Inquisição?
Monsieur Michelet, o senhor foi um entusiasta da Revolução Francesa e escreveu muito sobre ela. A Revolução foi um acontecimento muito polêmico, defendido por alguns e contestado por outros. Muitos, inclusive, a consideram uma matança desnecessária que voltou-se contra seus próprios princípios, a comparando à Inquisição. Qual é a sua opinião?
Que o Terror revolucionário se precavenha de comparar-se à Inquisição! Que jamais se vanglorie de ter, em seus dois ou três anos, devolvido ao velho sistema o que ele no fez por seiscentos anos! O que são os dezesseis mil guilhotinados diante desses milhões de homens e mulheres decapitados, enforcados, despedaçados, dessa piramidal fogueira, dessa massa de carnes queimadas, que a outra ergueu até o céu?
Concordo. E o que o senhor tem a dizer quanto à diferença dos modos de execução?
A história dirá que, em seu momento feroz, implacável, a Revolução temeu agravar a morte, suavizou os suplícios, afastou a mão do homem e inventou uma máquina para abreviar a dor.
E a Inquisição?
A história dirá também que a Igreja da Idade Média esgotou-se em invenções que visavam aumentar o sofrimento, torná-lo pungente, penetrante, que descobriu artes refinadas de tortura e meios engenhosos para fazer com que, sem morrer, se saboreasse por longo tempo a morte.
Foi a uma época lamentável.
Deveras. E uma coisa mais alto que todas as destruições: é que o sistema que matava em nome de um princípio, em nome de uma fé, serviu-se indiferentemente de dois princípios opostos, da tirania dos reis, da cega anarquia dos povos. Qual o objetivo? A morte do pensamento.
Mas a tirania não foi inaugurada com a Inquisição… Pensemos em Roma, por exemplo.
Sou obrigado a dizer, custe o que custar, que esse espetáculo se renovou na Idade Média, quando o velho princípio, furioso de se ver morrer, acreditou que ainda teria tempo de fazer morrer o pensamento humano. Viram-se novamente, como no Coliseu, miseráveis escravos levar por entre as feras, não saciadas, não adormecidas, mas furiosas, atrozes, ávidas, o pobre e pequeno legado da verdade proscrita, o cristal frágil que podia salvar o mundo, se chegasse ao altar.
O senhor não é um grande fã da Igreja Católica, não é mesmo?
E deveria ser? O que é a caridade que faz o São Bartolomeu, acende as fogueiras, organiza a Inquisição?
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