quarta-feira, 21 de outubro de 2015

A guerra santa contra os “homens bons”



Francisco Goya, "El Tres de Maio" (1814).
Francisco Goya, “El Tres de Maio” (1814).
Mauro Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, nas últimas eleições, foi candidato a presidente da república pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), de cujo Comitê Central é membro. Tem alguns livros publicados pela Editora Boitempo. Não é um intelectual de vulto e renome, mas também não se trata de um ilustre desconhecido.
No dia 4 de junho deste ano, Mauro participou da abertura do 2º Congresso Nacional da CSP-Conlutas, uma central sindical que se coloca como uma alternativa a movimentos tradicionais que se “renderam à direita”, como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT). No final de sua fala, Iasi parafraseia o poema “Algumas perguntas a um ‘homem bom’”, de Bertolt Brecht, cuja última estrofe diz:
Escuta pois: nós sabemos
que és nosso inimigo. Por isso vamos
encostar-te a paredão. Mas em consideração
dos teus méritos e das tuas boas qualidades
escolhemos um bom paredão e vamos fuzilar-te com
boas balas atiradas por bons fuzis e enterrar-te com
uma boa pá debaixo de terra boa.
Mauro Iasi no 2º Congresso Nacional da CSP-Conlutas.
Mauro Iasi no 2º Congresso Nacional da CSP-Conlutas.
vídeo da fala de Iasi veio a público somente na última semana e, ontem, dia 17, foi motivo de grande repercussão nas redes sociais. Por uma dessas irônicas coincidências que a Providência nos oferece, a divulgação desse vídeo ocorre próxima ao aniversário de um evento que precipitou o fim do regime comunista polonês e, em última instância, da própria União Soviética: o assassinato do Pe. Jerzy Popiełuszko.
Pe. Jerzy era um desses “homens bons” a quem Brecht se referia em seu poema. Associado ao movimento Solidariedade, cujo um dos líderes foi Lech Wałęsa, sua pregação era carregada de forte conteúdo político e social. Freqüentemente denunciava os abusos cometidos pela ditadura comunista polonesa, e as Missas que celebrava acabavam dando ensejo a demonstrações públicas da revolta do povo polonês. Tal qual no poema de Brecht, Pe. Jerzy, como um “homem bom”, foi achado digno de ser eliminado pelo governo comunista da Polônia.
Jerzy-Popiełuszko
Pe. Jerzy Popiełuszko
Em 13 de outubro de 1984, a polícia secreta polonesa, Służba Bezpieczeństwa (SB), tentou assassinar o Pe. Jerzy em um falso acidente de carro. O sacerdote católico escapou. Os agentes da SB partiram, então, para um plano alternativo: em 19 de outubro, seqüestraram Pe. Jerzy, espancaram-no até a morte e jogaram seu corpo num reservatório de água na cidade de Włocławek, às margens do rio Vistula. O corpo do padre foi encontrado no dia 30 de outubro. Mais de 250 mil pessoas compareceram ao seu velório. Em junho de 2010, o Papa Bento XVI declarou Pe. Jerzy Popiełuszko mártir da Igreja Católica e beato.
Mauro Iasi não gosta de “homens bons” como o Pe. Jerzy. Mas ele não é o único: no Brasil, parece um traço ontológico de nossa intelligentsia o ódio – não simplesmente um ódio segmentado em tipologias raciais, sexuais, sociais, econômica, mas um ódio cristalino a tudo quanto seja legitimamente humano; um ódio dirigido a todos quantos lembrem, como lembrava Pe. Jerzy, que, mesmo nas condições mais degradantes, ainda haverá “homens bons” que não se dobrarão à mentira.
Se tivesse em seu alcance, certamente Mauro Iasi perfilaria inúmeros “homens bons” diante de “um bom paredão”, fuzilaria a todos “com boas balas atiradas por bons fuzis” e os enterraria “com uma boa pá debaixo de terra boa”. E ele o faria com um cândido sorriso nos lábios e aquele brilho mágico de convicção no olhar que só se vê nos lunáticos mais perigosos. É assim que a nossa intelligentsia vê os “homens bons” e, em última instância, todos os homens: barro humano a ser moldado, cozido em tijolos e utilizado abundantemente na construção do Paraíso terrestre.

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