Num país onde 95% das empresas morrem antes de completarem três anos, o Estado precisa passar a atuar menos como opressor administrativo e mais como parceiro do empreendedor, diz consultor
Rafael Abud *
As estatísticas do Sebrae mostram que cerca de 95% das empresas que são abertas morrem antes de completarem três anos de vida.
O sonho do negócio próprio acaba se transformando em um grande pesadelo para toda a família. Os empreendedores, via de regra, são pessoas corajosas e determinadas, que acreditam no negócio e na sua capacidade de levá-lo adiante.
O que acontece na prática? Mal acabam de abrir e se deparam com uma série de forças contrárias, tais como fiscais que visitam o estabelecimento para ver o que está errado, para multar; concorrência, carga tributária, falta de orientação, assaltos,falta de mão de obra qualificada, excesso de burocracia, sem contar os investimentos iniciais como aluguel do ponto comercial, instalações, automação e outras providências.
Todo negócio, ao se iniciar, demanda certo tempo para que o faturamento consiga superar os investimentos (custos).
Tenho conversado sistematicamente com milhares desses empresários, em muitos encontros para palestras e treinamentos.
A fala deles é uma só: “a gente gostaria muito, que em vez de vir toda essa fiscalização logo de cara para ver o que está errado para multar, é que viesse alguém especializado do governo, para orientar e ver o que precisa para melhorar”!
Nos Estados Unidos, por exemplo, vi que ao abrir um negócio, por menor que seja, o empresário recebe logo em seguida um representante do governo para agradecer a iniciativa, orientar, oferecer linhas de crédito, além de um período de carência para as arrecadações de impostos. Visitei esse órgão chamado SBDC – Small Business Development Center (Centro de Desenvolvimento de Pequenas Empresas). Eles me disseram: “Essas empresas vão oferecer emprego e renda para famílias inteiras de americanos e precisam de incentivo para dar certo. Cada uma delas que não dá certo representa a perda de arrecadação do Estado a médio e longo prazo”.
O início da trajetória do empreendedor legalizado é, em geral, conturbado e pouco rentável num país como o Brasil. Além das forças contrárias que já mencionamos, o incentivo recebido do governo é praticamente zero. Além da burocracia extrema, não há qualquer reciprocidade para as taxas pagas, como envio de pessoas especializadas para orientar o negociante em como proceder corretamente com seu negócio, ou ajuda financeira que facilite o investimento nas instalações necessárias para manter a atividade.
Mesmo que sobreviva, ao começar a sentir o crescimento, há o despreparo para a gerência da atividade – e não para a atividade em si – tais como desconhecimento de estratégias de marketing e vendas, estudos de comportamento dos consumidores, estratégias de negociações com fornecedores, promoções inovadoras, possibilidades de exportação e desenvolvimento financeiro e essas lacunas acabam por minar pouco a pouco a chances de o empreendedor manter-se no mercado.
Outro problema é a falta de associações, câmaras setoriais de negócios que incentivem o empreendedor a crescer dentro de uma realidade compartilhada entre os que estão no mesmo ramo. Sozinho, fora de grupos que lutem pelas necessidades de sua categoria, discutam os problemas comuns, trabalhem soluções compartilhadas, como a provisão de recursos humanos preparados, central de compras, segurança, sequência de treinamentos especializados, o empreendedor tem muito mais dificuldades de conseguir o tão almejado sucesso.
No desespero de causa, o empreendedor acaba se afundando em dívidas bancárias mal negociadas e com poucas chances de pagamento, aumentando o pesadelo com as consequências indesejáveis de envolvimento de avalistas, perda das garantias e vai por aí afora.
Além disso, a falta de participação em associações que unam vários segmentos comerciais dificulta a criação de nichos de fornecimento e vendas, uma vez que cada empreendedor buscará, muitas vezes fora de sua região, fornecedores que correspondam financeiramente às suas expectativas.
Apesar da realidade assustadora, é possível criar condições para que o empreendedorismo tenha bases e se sustente no cenário nacional. Numa escala de prioridades, é preciso:
Dez medidas que podem fazer toda a diferença na vida dos pequenos:
1 – Que o Estado se posicione como um parceiro do empreendedor, e não como mais um opressor administrativo de suas atividades. Nessa mudança, que requer que a burocracia seja deixada de lado em detrimento da pró-atividade, várias medidas podem ser tomadas.
2 – Que surjam políticos conscientes e dispostos a ajudá-los, criando mecanismos legais de sobrevivência, tais como: carência na arrecadação tributária e na fúria arrecadatória dos fiscais.
3 – Linhas de crédito subsidiadas que possibilitem o desenvolvimento sustentado pelo governo, para pagamento após a estabilização, no tempo certo e não um mês depois.
4 – Mecanismos de recompensas tributárias proporcionalmente ao número de empregos oferecidos.
5 – Privilégio e cotas obrigatórias nas contratações do governo. Normalmente são feitas licitações e ganham empresas grandes até de fora da cidade. E as pequenas empresas ficam a ver navios.
6 – Criação de um Poupa Tempo Empresarial para esclarecer os entraves burocráticos de instalação dos estabelecimentos, evitando multas e problemas fiscais.
7 – Criação de Mecanismos práticos e sadios de renegociação de dívidas para as empresas existentes, antes da negativação do nome e das ações na justiça.
8 – Desenvolvimento permanente de ações de capacitação gerencial e negocial para tornar cada empreendedor mais preparado para o desenvolvimento.
9 – Promoção de feiras de negócios para as comunidades, onde cada empresa participe ajudando à população de baixa renda com utensílios domésticos, material escolar, mantimentos, agasalhos a preços simbólicos e populares. E campanhas permanentes de incentivo ao comércio local, para que a população dê preferência na hora de suas compras, em vez de irem a outras cidades.
10 – Mecanismos protecionistas para evitar o sufocamento pelas grandes empresas como acontece atualmente quando um hipermercado se instala em regiões centrais, causando o esvaziamento da clientela para os pequenos.
É preciso começar de alguma forma. E é preciso também que os pequenos se unam buscando apoio do governo, do Sebrae, das associações comerciais, visando transformar cada obstáculo em oportunidade e cada ameaça em uma nova conquista. Só assim poderão experimentar o sucesso na realização do sonho do negócio próprio.
* Rafael Abud é administrador e atuou como consultor do Sebrae. Contato: abudjornal@gmail.com.
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