terça-feira, 14 de julho de 2015

“Ecce Homo!”: a desumanização da divergência



Detalhe de "Ecce Homo", Antonio Ciseri, 1871.
Detalhe de “Ecce Homo”, Antonio Ciseri, 1871.
Sexta-Feira da Paixão. De acordo com a tradição cristã, foi neste dia que Jesus Cristo foi vítima de um julgamento injusto, declarado culpado sob falsas acusações, transformado em farrapo humano por suplícios terríveis e, por fim, pregado a uma cruz, onde agonizou até a morte. Para todo cristão, todo esse martírio de Cristo, que é Deus feito homem, é o exemplo maior de amor, a derradeira lição que nos legou e o sacrifício derradeiro pelo qual redimiu todos os pecados da humanidade. Para qualquer um que não professe a fé cristã, mas que tenha um mínimo de sensibilidade, a Paixão de Cristo é o exemplo maior do ponto a que pode chegar a injustiça caprichosa do homem.
Nos dias em que vivemos, uma coisa que é explícita e assombrosa é a tendência de desumanizar aqueles que divergem do que acreditamos. Irritar-se, exaltar-se, perder a compostura, tudo isso é algo normal – poucos têm sangue de barata, afinal de contas –, mas desumanizar o outro é algo totalmente diferente. Para um número cada vez maior de pessoas, o divergir em assuntos de cunho social, político ou econômico transforma o adversário em uma criatura horrenda, uma espécie de monstro abominável que representa uma ameaça que deve ser eliminada a todo e qualquer custo.
Agindo sob essa lógica, promove-se toda sorte de injustiças: ataca-se a honra, zomba-se do sofrimento, inventam-se mil e uma mentiras, e, como já tivemos oportunidade de presenciar ao longo de nossa história, tira-se a liberdade e a vida de pessoas que discordam. O grande G. K. Chesterton foi preciso ao definir esse tipo de comportamento chamando-o de fanatismo: “O fanatismo consiste em um homem convencer-se de que outro deve estar errado em tudo, pelo fato de estar errado em alguma coisa”.
Isso pôde ser visto, por exemplo, ontem, com a morte de Thomaz Alckmin, filho caçula do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Não foram poucos os formadores de opinião “progressistas” que se adiantaram em dizer que a morte de Thomaz lhes era indiferente por ser apenas mais uma morte. Outros, como a blogueira Lola Aronovich, professora da Universidade Federal do Ceará, foram ainda mais longe e não conseguiram disfarçar seu maligno prazer diante dessa tragédia.
Postagens de Lola Aronovich sobre a morte de Thomaz Alckmin. As mensagens foram apagadas. (Fonte: criticapolitica.org)
Postagens de Lola Aronovich sobre a morte de Thomaz Alckmin. As mensagens foram apagadas. (Fonte: criticapolitica.org)
Quando Eduardo Campos, então candidato à Presidência da República pelo PSB, faleceu em 13 de agosto do ano passado num trágico acidente de avião, eu não tive receios em expressar publicamente meu pesar por aquele evento terrível. Nunca fui particularmente fã de Campos, e, a bem da verdade, sempre tive um aberto desprezo pelo seu avô, Miguel Arraes, e seu partido. Entretanto, eu realmente senti a morte de Campos. Foi algo chocante. E me chocou justamente porque, apesar das nossas diferenças ideológicas, ele era, assim como eu, humano: ele tinha virtudes e vícios, qualidades e defeitos, amigos e inimigos e família.
Essa tática de desumanização do adversário é algo amplamente usado justamente por aqueles que se definem como “progressistas” e defensores da diversidade, da pluralidade e da dignidade humana. Suas sementeiras estão sempre fartas de ódio, que estão sempre a espalhar. Foi esse mesmo ódio que levou os mestres da lei e os sacerdotes a incitarem o povo a pedir a libertação de Barrabás, um homicida, e a condenação de um inocente. Foi exatamente esse mesmo ódio que provocou tanto derramamento sistemático de sangue na Rússia, na Espanha, na Alemanha e em tantos outros lugares.
Nós, que nos assumimos conservadores, precisamos estar bastante vigilantes. O espírito pode estar pronto, mas a carne é fraca, e cair na tentação de desumanizar nosso adversário, aquele que de nós diverge, é render culto ao mesmo deus que ceifou centenas de milhões de vidas nos últimos 100 anos. Voltemo-nos, cristãos ou não, nesta Sexta-Feira Santa, para Cristo, que “era amaldiçoado e não fazíamos caso dele” (Is 53, 3). Que essa grande injustiça cometida contra um inocente nos faça não engrossar o coro daqueles que gritaram “Crucifica-o!”.

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