Thomas More. Esse nome é relativamente desconhecido para a imensa parte das pessoas. Não é de se estranhar: More viveu na Inglaterra de Henrique VIII e morreu há quase 500 anos. Muitos inclusive diriam que escrever um texto sobre um homem que, sob quaisquer aspectos, nada tem a ver com o Brasil seria pura perda de tempo. Eu acredito exatamente no contrário, e espero poder demonstrar o porquê ao longo destas linhas.
Henrique VIII, como a maioria deve saber, foi rei da Inglaterra. Seu nome é citado de maneira recorrente quando o tema é a reforma protestante, pois foi com o primeiro Ato de Supremacia, em 1534, que o rei foi declarado chefe supremo da Igreja da Inglaterra. O fato é que, mesmo se levarmos em consideração o conturbado e complexo período em que reinou, Henrique VIII era um homem genioso, voluntarioso, de temperamento explosivo e dado a violentos arroubos emocionais. Isso se refletiu na maneira como conduziu a Inglaterra durante seu reinado: subornos, perseguições e manipulação campearam, muito mais do que o esperado de um reinado corriqueiro daquele período, para garantir que os caprichos do monarca se tornassem realidade.
Thomas More era bastante consciente dessas coisas. Tinha essa consciência em 1529, quando foi nomeado Lorde Chanceler da Inglaterra – sendo o primeiro leigo a assumir esse posto –, e a manteve durante seu curto período de exercício da função. Seu senso de justiça e a retidão de seu caráter faziam-no um homem benquisto por quase todos que conviviam consigo. E esses aspectos de seu caráter ficaram ainda mais evidentes quando, em 1532, diante das intermináveis manobras de Henrique VIII para obter a anulação de seu casamento com Catarina de Aragão, renunciou ao cargo de Lorde Chanceler.
A renúncia de Thomas More foi um golpe duro para um homem tão temperamental quanto Henrique VIII. O que mais parecia incomodar o rei era a certeza de que não podia controlar seu antigo Lorde Chanceler como o fazia com outras pessoas da corte. Isso ficou cristalino quando, em 1º de julho de 1533, More recusou-se a comparecer à coroação de Ana Bolena como rainha da Inglaterra. O exemplo de Thomas More não era único: havia muitos ingleses, anônimos ou conhecidos, que enxergavam as ações de Henrique VIII como abusos degradantes.
O ano de 1534 foi determinante para que o poder de Henrique VIII fosse substancialmente fortalecido contra todas as ameaças internas e externas que enfrentava. Em novembro, o Parlamento inglês aprovou o primeiro Ato de Supremacia, que definia Henrique VIII como o único chefe da Igreja da Inglaterra. Esse ato foi seguido pelo Ato de Traições, no qual se definia que era culpado de alta traição qualquer um que “caluniosa e maliciosamente publicar e pronunciar, por escrito ou palavras, que o rei seja herege, cismático, tirano, infiel ou usurpador da coroa”.
Com base nesses dois atos, Thomas More, que silenciosamente recusou-se a tomar um juramento em que reconhecia o título de Henrique VIII de chefe supremo da Igreja da Inglaterra e a licitude de seu casamento com Ana Bolena, foi considerado culpado por alta traição em 1535. Não haviam bastado as pesadas consequências de sua renúncia ao posto de Lorde Chanceler – que lhe trouxera imensos prejuízos de ordem pessoal, familiar e profissional – para que se reconciliasse com o rei. Em 6 de julho de 1535, foi executado por decapitação após pronunciar suas últimas palavras: “Morro um bom servo do rei, e de Deus primeiro.”
O exemplo de Thomas More foi tão intenso que não somente a Igreja Católica o venera como santo – e cujo dia de memória é hoje, 22 de junho –, mas também a Igreja Anglicana o tem por homem venerável. Sua vida e sua morte demonstraram que a consciência de um homem deve ser como uma fortaleza inviolável, e que nenhuma lei iníqua deve ser capaz de burlar a bem formada consciência de uma pessoa. Isso é tão profundo em São Thomas More que o primeiro uso da palavra “integridade” na língua inglesa é atribuído a ele.
Seu exemplo ressoa nos tempos de hoje porque, especialmente no Brasil, temos observado um forte movimento dos parlamentos para a aprovação de leis completamente absurdas. O esforço na aprovação de parâmetros de ensino que violam expressamente a inviolabilidade da educação moral no seio familiar, como se tem visto nas tentativas de inclusão da ideologia de gênero em planos de educação nos mais diversos níveis (municipal, estadual e federal), urge os cidadãos a se manifestarem de maneira decisiva, coesa e forte. Não se trata de uma guerra de agressão, mas de uma guerra de resistência, uma guerra justa.
São Thomas More lembra que “embora seja verdade que Cristo e seus santos apóstolos exortem todos a cultivar a paciência e a perseverança, sem retribuir nem se defender de uma má ação, mas exercitando a tolerância e respondendo o mal com o bem, esse conselho necessariamente não nos obriga, contra a natureza que todos temos em comum, a permitir que alguém nos mate sem razão, nem significa que devemos nos eximir de defender alguém inocente que seja maliciosamente agredido e oprimido” (Thomas More, A Dialogue Concerning Heresies, 1529). Vai mais além: “E, por essa razão, [uma reação] não é apenas desculpável, mas digna de louvor […], uma vez que cada homem está lutando não apenas para defender a si mesmo, por amor de si próprio, mas, em caridade cristã, para a salvaguarda e preservação de todos os outros” (Ibid.).
São Thomas More não é um estadista inglês que viveu uma realidade diametralmente diferente da nossa, mas um homem cuja “segurança de juízo radicada na fé conferiram-lhe aquela confiança e fortaleza interior que o sustentou nas adversidades e frente à morte” (Papa São João Paulo II, Motu Próprio “E sancti Thomae Mori”, 31 de outubro de 2000). Ante as constantes investidas que a sociedade brasileira tem sofrido por parte de pessoas mal-intencionadas, dentro e fora do governo, a morte e, especialmente, a vida de São Thomas More são uma poderosa inspiração que não podemos ignorar.
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