Tradicionalmente o Brasil lança onda de verão, quando o país começa a engrenar a primeira a fim de encarar o ano que começa, os estudantes estão de férias – e a maioria das famílias, executivos, políticos, idem. A onda desse Janeiro não vem da música, não é uma dança, passa longe de um personagem. É a massa, uma onda literal, de gente que escolheu os shoppings como alvo, num misto de diversão e protesto. É o chamado Rolezinho.
Apesar do nome, que soa ralé, o Rolezinho é apartidário, de todas as classes e, claro, surge com viés de protesto e sarcasmo. Agora que ganha os shoppings – os templos do consumo – sai das páginas de cotidiano e conquista a atenção de cientistas sociais, que veem no movimento um filho bastardo do grito retido de 2013, algo como um resquício das manifestações de Junho com a falta do que fazer nesse início de 2014.
Fato é que o Rolezinho é um movimento antigo, que tem outros nomes de acordo com seus cenários. O Rolezinho tem muito a ver, por exemplo, com o que faz a base aliada do governo. Tal como a turma de boné e calça legging se junta para zoar no shopping, os mandatários dos partidos governistas do Congresso tratam visitas conjuntas ao Palácio do Planalto (o seu shopping de luxo). Assim como a garotada entra nas lojas para pechinchar preços, os deputados e senadores percorrem os gabinetes dos ministros palacianos para cobrar suas emendas. A turma do shopping faz arruaça ou manifestação por seus direitos e contra a desigualdade social; não é diferente com os líderes e caciques partidários que se rebelam contra o Palácio (e como fazem bem) para garantir seus privilégios, o tratamento igualitário junto à presidente. Se algum ‘rolezeiro’ numa loja faz um roubo ou bate carteira, é preso pelos seguranças. Ah, no Palácio é igual, embora demore um pouco: haverá uma CGU, um MP e a Polícia Federal como seguranças para enquadrar os assaltantes de verbas.
E se a galera juvenil vai às compras no shopping, em Brasília também tem saldão. Com a reforma ministerial na vitrine e a queima de estoque na Esplanada, o Rolezinho da base aliada hoje ronda o Palácio para faturar uma aquisição. Cada uma delas bilionária. Só para citar os principais, PP, PMDB, PT, PTB, PROS, PSD vestiram seus ternos e tailleurs e começaram o arrastão nos corredores do Palácio.
Só para citar os principais: Sai Alexandre Padilha da Saúde, e PT e PMDB estão de olho na cadeira. A Integração Nacional pode cair no colo do PROS, que indicou Ciro Gomes – ele já ocupou a pasta. (É como pegar um feirante na porta da galeria e presenteá-lo como uma boa loja na melhor ala). A Casa Civil terá rearrumação caseira: como num shopping, o cogitado Aloizio Mercadante sai da papelaria escolar para a administração do complexo. Apesar das malas prontas de Gastão Vieira (Turismo), a agência de viagens deve continuar sob controle do PMDB, assim como a praça de alimentação (Agricultura), caso Antonio Andrade queira disputar a reeleição para a Câmara ou se tornar vice na chapa de Fernando Pimentel ao governo de Minas.
Preocupada, a presidente Dilma convocou até reunião para discutir esses Rolezinhos e no que podem dar. Os dos shoppings, claro. Mas também é porque ela conhece a base que tem.
O pioneiro. Ocorreu dia 4 de agosto de 2000. Um grupo de 130 sem-teto, que acampava na beira da Av. Brasil, no Rio, reivindicando moradias, decidiu alugar três ônibus e rumou para o shopping Rio Sul, da elite carioca em Botafogo. Por três horas, eles passearam por lojas, provaram roupas caras, se deslumbraram com as escadas-rolantes (muitos a estreavam). Houve princípio de tumulto com lojistas e clientes, contornados pelos seguranças. Tudo sem violência. Motivados pelas desigualdades sociais, protagonizaram o primeiro Rolezinho do país. Este repórter estava lá e entrevistou o líder do grupo, Eric Vermelho. Os sem-teto sumiram depois disso. O que parece é que estão hoje espalhados por aí, representados por essa turma que redescobriu um jeito de rever o protesto. Aquele passeio do Rio Sul rendeu um bom documentário de cinema chamado “Hiato”
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