quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

O dilema da cultura pop



Personagens de videogames
O fenômeno conservador no Brasil é algo recente, e disso muito se tem falado. Normalmente, o fato é notado com receio pela mídia tradicional e bastante atacado, inclusive com acentuada ferocidade, pela tal mídia “independente” – um nome que, na novilíngua vigente no Brasil, é um agradável eufemismo para “chapa branca”. É recorrente observar que os ataques dirigidos conservadores brasileiros da nova geração, ainda em seus primórdios, são reduzidos a um argumento que, na melhor das hipóteses, é um belo espantalho: eles são elitistas. Como o elitismo é visto como uma espécie de síndrome associada ao nazifascismo – como se Hitler e Mussolini fossem espécimes exemplares da “direita” –, não demora muito para que o nível do ataque desça a um nível bem baixo.
No entanto, existe a tentação real de se dar vida a esse espantalho. Desejosos de elevar o próprio nível intelectual e cultural, e lutando para se desintoxicar do plebeísmo a que nos acostumamos a chamar de educação, muitos de nós acabam por cair em uma espécie de elitismo que torce o nariz para manifestações típicas da cultura pop. Essa afetação nos modos pode acabar transbordando para a maneira como nos comunicamos com as pessoas – não só através do conteúdo, mas até mesmo em minúcias reveladoras, como trejeitos e tom de voz – e acabar por justificar a acusação infundada de que conservadores são elitistas.
Esse plebeísmo de polaridade invertida pode ser bastante nocivo na medida em que nos impede de apreciar as boas coisas que são produzidas no contexto da cultura pop – e, sim, por mais improvável que pareça, elas existem. No meio do imenso lamaçal pegajoso e inútil que é produzido todos os dias e que é vendido, comentado e compartilhado em forma de filmes, músicas, jogos, novelas e coisas semelhantes, existem pequenas gemas, pouco ou muito preciosas, que podem ser aproveitadas. São exemplos de que é possível, mesmo timidamente, produzir coisa que preste.
Ter isso em mente é muito importante quando se sabe que, em terras tupiniquins, urge uma elevação cultural que reverta os efeitos daninhos de décadas de revolução gramsciana. É possível fazer isso simplesmente advogando que todos passem a ouvir Mozart, Bach e Vivaldi? É viável promover essa necessária elevação através de uma grande campanha de distribuição de obras de Dante, Shakespeare e Dostoievsky? A resposta é: sim, é possível; mas é muito, muito improvável que uma tática como essa surta o efeito que se pretende. É quase certo que ela terá justamente o efeito oposto ao desejado, e que, como já disse, o espantalho do elitismo conservador ganhe vida.
A cultura pop possui uma linguagem que pode ser utilizada favoravelmente, por exemplo, no fomento de uma rica imaginação moral. Todavia, para que isso seja feito, é preciso conhecer suas manifestações contemporâneas, estudá-las e saber separar o joio do trigo. Assumir uma postura de “afastamento higiênico” é não apenas equivocado, mas também perigoso: para estabelecermos uma comunicação efetiva com o outro, é necessário compreender como ele se expressa para, utilizando seus mecanismos, desconstruir raciocínios degenerados que tentam se passar por senso comum. É uma tarefa difícil, que exige grande dedicação, mas que, melhor do que as táticas descritas acima a título de exemplo, pode ser muito bem-sucedida para elevar o nível e as aspirações culturais.
É possível, por exemplo, traçar um paralelo entre “Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge”, dirigido por Christopher Nolan, e enxergar ali uma parábola sobre a crueldade da mentalidade revolucionária e a luta do homem por defender os valores em que a nossa civilização é alicerçada. É igualmente possível analisar um jogo de videogame, como “Dishonored”, e usá-lo como uma eloquente ilustração para demonstrar que a linha que separa a justiça da vingança é suave, e que todas as nossas ações, mesmo as mais privadas, reverberam, de um jeito ou de outro, nas vidas dos outros. É possível até mesmo ouvir uma música de rock pesado – como “God is Dead?”, lançada no mais recente álbum da banda inglesa Black Sabbath – e encontrar nela o profundo dilema de uma pessoa que, crendo na existência de Deus, vê-se em luta contra o pós-modernismo que pauta nossos dias, em que a religiosidade é ridicularizada e abafada a todo instante.
Precisamos aprender a nos valer dos elementos aproveitáveis da cultura pop para, desde dentro, elevar a cultura, evitando tanto o plebeísmo quanto o espantalho do elitismo. Para tanto, devemos conter aquele ímpeto – inconfesso, em alguns casos, mas igualmente identificável – de torcer o nariz para toda e qualquer manifestação da cultura pop. Isso exige critério, maturidade e um real desejo de promover a transformação cultural da qual carecemos tanto. Assim, não podemos repetir o exemplo de Procusto – muito mais adequado para os bem-intencionados progressistas de nosso tempo –, nem podemos nos permitir deitar em seu leito.

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