Nove anos depois do atentado de 11 de setembro
  Nove anos depois
Os atentados de 11 de setembro de 2001 alcançaram um sucesso muito  maior do que Osama bin Laden poderia ter imaginado. Não pelos quase 3  mil mortos, nem porque atingiu o coração do poder financeiro e militar  americano. Esses resultados são pequenos se comparados à armadilha em  que os EUA se meteram e não conseguem sair.
O objetivo de qualquer organização terrorista é obrigar um inimigo  muito mais poderoso a uma resposta excessiva.  Durante esses nove anos,  os Estados Unidos cometeram trapalhadas e exageros um depois do outro.     Bin Laden merece a nossa hostilidade e o nosso desprezo, mas não  podemos ignorar sua estratégia. Mas muito do que ele conseguiu, foi  graças aos nossos próprios erros. Bin Laden não merece que continuemos a  realizar, mesmo sem querer, seus sonhos inimagináveis,
Não era para ter sido dessa maneira.  A resposta inicial da  administração Bush foi correta. A combinação de agentes da CIA, forças  especiais e poder aéreo quebrou os Talibans no Afeganistão e enviou bin  Laden e os restos da Al-Qaeda para a fronteira do Paquistão. A reação  norte-americana foi rápida e eficiente - um aviso claro para qualquer  organização que estivesse pensando em outro ataque terrorista contra os  Estados Unidos.  Quando o presidente Bush declarou “missão cumprida” ,  faltou a ressalva de que a guerra estava terminada mas a caça a bin  Laden continuaria com o emprego de agentes e setores especiais das  forças amadas.  O mundo teria compreendido, e a maioria dos americanos  provavelmente estaria satisfeita.
Mas aí começaram as trapalhadas da administração Bush. Convencida de  que mentes que transformaram aviões de passageiros em misseis balísticos  poderiam perfeitamente criar misseis com cargas químicas, biológicas ou  nucleares.   Isso virou um pesadelo para a Casa Branca e levou a  suposições infundadas de que Saddam Hussein desenvolvera armas de  destruição em massa, incluindo armas nucleares e que esta era a conexão  entre o líder iraquiano e a Al-Qaeda.
Bin Laden não teve nada a ver com esses equívocos. Nada disso tinha  uma verdadeira ligação com o 11/9. Não havia nenhum grupo conhecido como  "Al-Qaeda no Iraque" naquele momento. Mas o clima político da ocasião  superou qualquer oposição à idéia de invadir o Iraque,  e os Estados  Unidos marcharam para um segundo teatro de guerra, que iria se revelar  muito mais difícil e doloroso do que seus partidários haviam imaginado.
Quando o Presidente Obama declarou recentemente que tinha terminado a  missão de combate dos EUA  no Iraque, ele omitiu a probabilidade de que  dezenas de milhares de soldados dos EUA terão de permanecer lá,  possivelmente por vários anos, porque o Iraque não possui capacidade  militar para proteger-se contra uma agressão externa (o Irã está ali do  lado).  A ironia final é que Saddam Hussein, para manter seus vizinhos à  distância, fez com que estes e o resto do mundo acreditassem  que ele  poderia ter armas de destruição em massa.  Com isso ele cavou sua  própria destruição, bem como a necessidade das forças norte-americanas  preencherem o vazio que ele e sua presença ameaçadora causavam.
Enquanto isso, quase 100 mil soldados dos EUA estão no Afeganistão e  lá vão vão permanecer nos próximos anos -  não por causa do compromisso  dos Estados Unidos com o funcionamento da democracia lá, nem mesmo pelo  possa acontecer às moças e mulheres afegãs -  simplesmente devido às  armas nucleares. O Paquistão tem um arsenal de 60 a 100 ogivas  nucleares. Se qualquer uma dessas cair em mãos dos fundamentalistas da  Al-Qaeda no Paquistão, não dá para imaginar as consequências que viriam  daí.
Novamente,  um dilema criado parcialmente por nós mesmos.  A guerra  dos Estados Unidos contra o terrorismo é geralmente vista em todo   Paquistão como uma guerra contra o Islã.  Um fundamentalismo islâmico  forte está ganhando terreno lá e ameaçando a estabilidade do governo, do  qual  dependemos para garantir a segurança dessas armas nucleares.   No  entanto, como uma sólida presença militar dos EUA no Paquistão é  insustentável para o governo de Islamabad,  dezenas de milhares de  soldados dos EUA terão que permanecer estacionados no vizinho  Afeganistão por algum tempo.
Talvez bin Laden pudesse prever alguns desses resultados quando  lançou sua operação de 11 de setembro a partir das bases do Taliban no  Afeganistão.  Países alvejados por grupos terroristas rotineiramente  abandonam alguns dos seus princípios éticos, nesse caso ele poderia  também ter previsto algo como as torturas de Abu Ghraib,  as prisões  secretas da CIA em paises da Europa e até mesmo a prisão na Baía de  Guantánamo.   Mas para que bin Laden pudesse se aproveitar desses  episódios, ele contou com a nossa colaboração irrestrita. E nós a  demos.  Gastamos mais de um trilhão de dólares em duas guerras, mais de  5.000 dos nossos soldados perderam a vida, dezenas de milhares de  iraquianios e afegãos foram mortos.  Nossos militares estão tão  sobrecarregados que uma das poucas indústrias em crescimento na nossa  combalida economia é aquela que fornece “contractors” para os países  invadidos, que na verdade fazem de tudo,  desde interrogar suspeitos até  recolher e informações para os serviços de inteligência.
Nós lutamos no Afeganistão e no Iraque e mais recentemente no Yemen e  na Somália; nós criamos e inchamos o aparelho de segurança nacional; e  estamos tão absorvidos em nossa própria raiva e tão alheios às intenções  do inimigo que nós enchemos a bola do edifício do centro islâmico em  Lower Manhattan e o transformamos em um debate nacional.  E assistimos,   impotentes, a um pastor da Flórida desafiar nossos amigos do mundo  islâmico com a ameaça de queimar cópias do Alcorão.
Se bin Laden não previu isso tudo, ele rapidamente entendeu e tirou  proveito. Em 2004, em uma mensagem em vídeo, ele ironizou a liderança  americana dizendo que ela estava no caminho da auto-destruição: “Tudo  que temos que fazer é mandar dois mujaheddin levantarem um pedaço de  pano com a inscrição “Al-Qaeda”, para mobilizar os generais e causar  sofrimento humano e perdas econômicas e políticas à América”.
Com um gasto inicial de poucos milhares de dólares, e o treinamento e  sacrificio de 19 de seus militantes, bin Laden viu sua relativamente  pequena organização com algumas centenas de fanáticos transformar-se no  mais famoso franchise internacional desde o advento do McDonald’s.   Poderia qualquer inimigo dos Estados Unidos conseguir tanto com tão  pouco?
 Poderia bin Laden, em seus mais perversos instintos, imaginar que  provocaria um caos maior?  Já passou o tempo de refletir sobre o que o  nosso  inimigo queria – e ainda quer fazer – e como vamos acomodá-lo.
Ted Koppel é jornalista. Durante 25 anos apresentou o  Nightline, o noticiário de fim de noite da rede ABC. O texto acima foi  publicado originalmente no Washington Post. Tradução de Eliakim Araujo.
 
 
 
          
      
 
  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Nenhum comentário:
Postar um comentário