segunda-feira, 27 de junho de 2011

VERDADEIRO : Sai o povo, entram as elites

 


“A SUDERJ informa: substituição no Brasil: sai Tostão, entra Rivelino ! ”.  Quem frequentou o sessentão Maracanã se acostumou, entre outras coisas, àquela voz tonitruante que, de tempos em tempos, fornecia informações sobre o jogo.    
Inicio com essa recordação para voltar a um assunto sobre o qual já falei aqui no DR. Considero, cada vez mais, a importância de refletirmos sobre ele, em nome dos valores da cidadania.  Trata-se dos  caminhos que estariam sendo trilhados nos diversos projetos que irão redundar na construção/reconstrução de novos estádios de futebol no país, com vistas à Copa do Mundo que se dará entre nós.
Penso que, ao final desse processo  - que, diga-se de passagem, envolve a sangria de cofres públicos para atender às exigências megalomaníacas  da FIFA -, há, paradoxalmente,  o risco de virem a ser  extintos os grandes espaços populares do futebol, como o Maracanã. Em nome da modernidade, estão sendo criados estádios elitizados, onde, ao que tudo indica, não haveria lugar para aqueles torcedores de menor poder aquisitivo. Em síntese, pode estar em curso  um dissimulado processo de exclusão de grandes massas populares como espectadores no campo de futebol, com a criação dos espaços “vip” e a proliferação de preços inacessíveis. E para afastar de vez tais suposições, nada melhor que o pronunciamento das autoridades envolvidas, que, até agora, pouco falaram a respeito.
O que se vê, por exemplo, em São Paulo, é a promiscuidade entre o poder público e os interesses particulares. Vai-se construir um estádio de futebol para o Coríntians e, em nome do atendimento dos interesses da FIFA, o dinheiro do povo vai ser colocado no projeto, ainda que sob a forma de isenções fiscais. Tudo para, depois, o estádio ser gerido por particulares que, esses sim, lucrarão com o empreendimento.
Mas quero voltar ao foco inicial. Uma sociedade que se pretenda democrática tem que, necessariamente, avaliar permanentemente as perspectivas inclusivas que possam ser  oferecidas, de modo sempre crescente,  aos deserdados, aos menos favorecidos. É por isso, por exemplo, que eu considero antidemocrático o descaso com a nossa educação pública , porque o que faz é perpetuar as diferenças e manter os níveis de exclusão que interessam às elites que sempre  mandaram no país. A escola pública será democrática apenas  quando puder ser o móvel  que anule essas diferenças de berço e permita , realmente, a igualdade de oportunidades.
A palavra “privilégio” é, etimologicamente, metonímia para a negação da democracia. Todos os que almejam para si ou se deixam beneficiar, direta ou indiretamente, por hipotéticas “leis privativas”, são, ingênua ou conscientemente, contribuintes diretos da discriminação e da desigualdade.
É claro que essa desigualdade não aparece, em muitos casos, de forma perceptível. Não percebemos que vivemos em uma sociedade antidemocrática – e a nossa o é, apesar dos que deliberadamente confundem capitalismo ou liberalismo econômico com democracia -, porque estão vulgarizadas no cotidiano da nação a injustiça e a iniquidade. E casos como esse do Maracanã acabam nem sendo percebidos como possíveis exemplos da segregação que o contexto  revela. Até porque, para muitos, o futebol seria fonte de alienação e, portanto, desconsiderável no plano cultural do país.
Mas nem tudo é assim disfarçado.  Quando meia dúzia de gatos pingados moradores de um bairro nobre de São Paulo (já houve isso no Rio também), enxergando-se como melhores que os outros ,  atrevem-se a defender a tese de que uma estação de metrô – que serve ao deslocamento de multidões populares – não deve existir no seu bairro, porque a ele levará “pessoas indesejáveis” (rotuladas como “diferenciadas”), ou tirará a tranquilidade reinante ;  quando mandatários políticos como o ex-governadores do Paraná ousam defender para si mesmos, como seres “escolhidos” que se consideram, aposentadorias vergonhosamente exclusivas,  à custa do dinheiro do povo; quando vereadores do Rio de Janeiro – representantes populares – atribuem-se uma posição social que exigiria a compra de carros de luxo para o   exercício de suas funções; quando aquele desembargador do Piauí  acha que deve diminuir o seu horário do trabalho por causa do calor que torna suas atividades “impraticáveis”; quando ainda vivemos em uma sociedade que contempla  pessoas nada excelentes  com títulos do tipo “Vossa Excelência”, “Vossa Magnificência” e outras do gênero; quando, enfim, exemplos como esse se multiplicam, só o mais empedernido dos alienados é que se pode imaginar vivendo em um espaço de democracia.
E a sociedade vai, assim, fincando suas bases contemporâneas: status e celebridade constituem os maiores (às vezes únicos) objetivos pessoais a serem alcançados, ainda que à custa de práticas pouco éticas, nada saudáveis.
Convido-os a analisar o verdadeiro bombardeio que sofremos diuturnamente com as campanhas publicitárias que exaltam a importância de ser “o melhor”. Creio que é matéria para um artigo inteiro... É aquela do cara que não é ninguém porque não é um “ligador” (leia-se, não gasta dinheiro com as baboseiras que os celulares impõem); ou aquela, da mesma linha, do sujeito que bota fogo no próprio carro porque inveja  o modelo mais novo do outro.. .
Vivemos, mais do que sempre, a sedução do “ter” como superior ao “ser”. Somos as marcas que ostentamos. O  caso do Maracanã, a que eu retorno para fechar essas considerações, parece não ter nada a ver com isso, mas acho que tem. Talvez se esteja  criando – e com dinheiro público mal gasto - um novo tipo de privilegiados, algo inconcebível  há alguns anos: uma minoria de felizes cidadãos que vão poder levar seus filhos a um estádio de futebol... E talvez, nesse futuro não tão longínquo,  os alto-falantes do estádio  venham a anunciar, em som cristalino : “A SUDERJ informa: sai o povo, entram as elites...”.    Rodolfo Motta

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