quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Réus da Operação Navalha podem ficar impunes


Em entrevista ao Congresso em Foco, ministra do STJ Eliana Calmon se diz “muito amolada” com possibilidade de processo ser mandado à Justiça de primeira instância com o enfraquecimento das provas

Fabio Rodrigues Pozzembom
Relatora da Operação Navalha, Eliana disse que divisão do processo enfraquece as provas e favorece a impunidade
A cinco quilômetros daquele restaurante, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a ministra Eliana Calmon se mostra “muito amolada” com o andamento do processo contra Zuleido, que atingiu ainda vários governadores. Passados cinco anos do caso, ela revelou ao Congresso em Foco que vê risco da impunidade dos réus. Discussões e jurisprudências sobre o foro privilegiado podem mandar a ação para um tribunal de primeira instância e resultar na prescrição de alguns crimes. Isso porque o caso já está, nas palavras da ministra, “todo retalhado” em varas de primeira instância em vários estados.


Eliana Calmon afirma que isso enfraquece as provas e favorece a impunidade. “Essa retalhação do processo acaba por fazer uma divisão da prova. A prova fica fragmentada. Com a prova fragmentada, nós temos naturalmente uma fragilidade”, contou ela ao site, na semana passada, no gabinete da vice-presidência do STJ, que ocupa interinamente. Para a ministra, chicanas de procedimentos nos tribunais fazem a sociedade perder. “Os crimes de corrupção, dentre eles o de colarinho branco, se valem dessas nuances procedimentais para livrar os figurões das penas da lei”, disparou.
Quem perde? “A sociedade perde sem dúvida alguma”, responde a ministra, que por dois anos foi a corregedora nacional de Justiça. No cargo, colecionou desafetos até entre os próprios colegas. Chegou a ser acusada de invadir dados sigilosos de juízes, acusação depois rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Há dois anos, o trabalho da PF – que resultou na denúncia do Ministério Público contra empreiteiros, o governador de Alagoas, Teotônio Vilela (PSDB), o então governador do Maranhão, Jackson Lago (PDT), e o ex-governador de Sergipe João Alves Filho (DEM) – foi “todo retaliado”. Os casos que envolviam réus sem foro privilegiado foram remetidos a varas de primeira instância no Maranhão, Piauí, Bahia, Brasília e Mato Grosso. Como os deputados estaduais de Alagoas não autorizaram o processo contra Vilela, o caso referente ao estado também ficou na primeira instância. No STJ, só sobrou o relato de obras fraudadas e propinas referentes a Sergipe, porque houve participação de um conselheiro de Contas estadual.

Eliana Calmon diz que a Operação Navalha “perdeu força”
Conselheiro
Mas o Tribunal de Contas de Sergipe (TCE-SE) aposentou o conselheiro Flávio Conceição de Oliveira Neto por causa das denúncias de irregularidades noticiadas pela própria Operação Navalha. Eliana aguarda o julgamento do recurso de Conceição que está nas mãos do ministro do STJ Humberto Martins para devolver o ex-conselheiro ao cargo ou mantê-lo aposentado.
Se o Conceição ficar no cargo, o processo fica no STJ. Caso contrário, Eliana vai fazer o que mandam a lei e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: enviar para uma vara de Sergipe a papelada de 31 volumes, 232 apensos e mais um voto com 130 folhas. Em Aracaju, o caso vai demorar pelo menos mais três meses; ela entende que alguns crimes vão prescrever.
A ministra pretendia colocar o caso em julgamento em maio deste ano, mas problemas como a aposentadoria de Conceição adiaram seus planos. Eliana Calmon diz que o recurso do conselheiro será analisado este ano por Humberto Martins. Rindo, a ministra nega que tenha pedido para o colega julgar de forma que o caso permaneça no STJ. “Não, eu pedi para ele julgar. Só”, ri.
“Muito amolada”
Ou seja: a Navalha ou será julgada em 2012 pelo STJ ou será mandada para Sergipe este ano. “Estou muito amolada, porque eu queria fazer o julgamento. Acompanhei o processo inteiro”, disse a ministra. “A gente acompanha o processo todo e, na hora de julgar…”
Até lá, é melhor aguardar. “Eu não vou entrar com um processo desses sujeita a não estar competente [para julgá-lo], porque, no momento, não sou competente”, resigna-se a ministra. Enquanto o caso ‘desce’ para a Justiça de Alagoas, vai se contando tempo para que os réus sejam absolvidos pelo calendário, o chamado “prazo prescricional” entre a ocorrência do crime e o julgamento do juiz. Eliana Calmon entende que um juiz “diligente” até conseguiria julgar tudo em três meses. Mas lembra que o caso está dividido.
“Essa retalhação do processo acaba por fazer uma divisão da prova. A prova fica fragmentada. Com a prova fragmentada, nós temos naturalmente uma fragilidade”, explica.
Na visão de Eliana perde-se a noção do conjunto das provas. “Termina sendo muito retalhado, a gente perde um pouco a prova.” A ministra avalia que isso é bom para os réus, mas ruim para se descobrir a verdade. “Em relação ao réu, fica bom, né? Mas em relação à analise probatória, fica extremamente dificultado. Eu acho que a sociedade perde. Perde o fio da meada.”
Tênue
Na entrevista ao site, Eliana Calmon afirma serem frágeis as provas contra o ex-governador de Sergipe João Alves Filho (DEM) e seu filho João Alves Neto. Já contra Zuleido, ao contrário, as provas seriam fartas. “O Zuleido tem bastante provas. Em relação ao João Alves Filho, eu acho que a prova é muito tênue, frágil, mas em relação ao grupo que estava na empresa as provas são muito contundentes.”
A ministra não revela se seu voto é pela absolvição ou condenação dos réus. “Não posso dizer como eu resolvi isso, porque o certo eu posso nem ser a competente para solucionar [o caso].”
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